quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Desafios para mitigar emissões brasileiras de gases do efeito estuf

Para Emílio Lèbre La Rovere, co-coordenador do GT3 do primeiro Relatório de Avaliação Nacional, os objetivos de redução de emissões que o governo brasileiro assumiu para 2020 podem ser alcançados

por Débora Spitzcovsky
Segundo Emílio Lèbre La Rovere, um dos coordenadores do Grupo de Trabalho 3 do primeiro Relatório de Avaliação Nacional, o desmatamento deixou de ser a principal fonte de CO2 no Brasil. Para ele é preciso investir na mitigação das emissões nos setores da agropecuária e da energia.

Lançado nesta segunda-feira (09 de setembro), o primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN1), que avalia a situação brasileira no cenário dasmudanças climáticas, dedicou um Grupo de Trabalho, exclusivamente, para a questão damitigação das emissões de gases do efeito estufa.
Co-coordenado pelo engenheiroEmílio Lèbre La Rovere, junto com Mercedes Bustamante, do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), o GT3 conclui que “é viável alcançar os objetivos voluntários de redução de emissões que o governo brasileiro assumiu para 2020. No entanto, caso não haja novas políticas e medidas de mitigação, a tendência é que as emissões brasileiras voltem a aumentar após 2020, podendo chegar a 2,5 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (CO2e), por ano, em 2030”.
Emílio Lèbre La Rovere - Foto: Divulgação/USP
Conheça os motivos da queda e de um possível aumento futuro de emissões no Brasil, na entrevista exclusiva que o especialista La Rovere, coordenador do Centro Clima da COPPE/UFRJ, concedeu ao Planeta Sustentável.
O relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) aponta que o Brasil está vulnerável a uma série de impactos causados pelas mudanças climáticas decorrentes do excesso de emissões. Como está a situação brasileira em termos de mitigação desses gases do efeito estufa? O Grupo de Trabalho 3 revisou os principais estudos feitos no campo da mitigação e concluiu que, ao que tudo indica, será possível alcançar os objetivos voluntários de redução de emissões que o governo brasileiro assumiu para 2020 na Convenção do Clima.
No ano de 2005, o Brasil emitia mais de 2,2 bilhões de toneladas de CO2e. Em 2010, esse número caiu mais de 35%, graças ao sucesso no combate ao desmatamento. Os números mostram, portanto, que nesse momento o Brasil vai bem e deve alcançar seu objetivo de reduzir entre 36 e 39% suas emissões projetadas até 2020. Desde que, claro, continue tendo sucesso no combate ao desmatamento. Ao que parece, o número para 2013 foi de ligeiro aumento com relação a 2012, mas mesmo assim ainda está muito abaixo dos registros de 2005.
E após 2020, qual será a situação brasileira?
Os cenários apresentados no relatório demonstram que, caso não haja novas políticas e medidas de mitigação, a tendência é que as emissões brasileiras voltem a aumentar após 2020, podendo chegar a 2,5 bilhões de toneladas de CO2e, por ano, em 2030 – ou seja, apresentando nível superior ao de 2005. Isso porque, mesmo que o Brasil consiga êxito no combate ao desmatamento ilegal, ele já vai ter sido reduzido a um patamar bem baixo e as emissões por queima de combustível fóssil vão começar a pesar bem mais.
Se, como se espera, acontecer o acordo internacional para que os países combatam de forma mais eficaz oaquecimento global, o Brasil terá pela frente o mesmo dilema que as nações de economia mais avançada já enfrentam: como inventar desenvolvimento econômico com baixa emissão de carbono? A queda do desmatamento que o país promove atualmente não tem forte implicação sobre a economia. Essas atividades que estão sendo contidas representam muito pouco do PIB do Brasil. Quando se trata de geração e consumo de energia nos transportes e na indústria o desafio é muito maior, porque impacta mais facilmente a economia.
Que prazo o Brasil tem para começar a adotar essas novas políticas públicas de mitigação – focadas em questões que vão além do desmatamento – para conseguir reverter a tendência de aumento de emissões apontada pelo relatório após 2020?
Essas novas medidas já deveriam estar sendo feitas, principalmente porque os números mostram que, em 2010, o desmatamento já deixou de ser a principal fonte de emissão brasileira. Temos dois setores-chave para investir em mitigação a partir de agora.
O primeiro é o da agropecuária, que é muito importante e já recebe mais atenção do governo. O Ministério da Agricultura até lançou o Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC), que tem auxílio técnico da Embrapa e investe em medidas como plantio direto, sistemas de integração entre lavoura e pecuária e uso mais intensivo do solo.
O outro setor é o da energia, que precisa de mais atenção. O relatório mostra que as energias renováveis e a eficiência energética dão plenas condições para o Brasil, que é rico em recursos naturais, ser líder no campo do desenvolvimento com baixa emissão de carbono. Mas, para isso, é preciso incentivo e investimento em tecnologia limpa. Veículos mais eficientes, expansão dos metrôs e das hidrovias, soluções para fazer hidrelétricas mais sustentáveis na Amazônia, incentivo ao etanol e à energia eólica, investimento no biocombustível de segunda geração, feito do bagaço da cana-de-açúcar e da própria celulose, são algumas das medidas que podem ser tomadas, aliadas a uma política de limitação de emissões do setor energético.
Uma das conclusões do relatório é que o regime de chuvas no Brasil terá grande variação, o que afeta diretamente as hidrelétricas, que são a principal fonte de energia limpa da nossa matriz. As termoelétricas são apresentadas pelo governo como uma solução em curto prazo. Nesse cenário, como reduzir as emissões do setor energético?
Existem dois grandes caminhos para brecar essas emissões. O primeiro é uma taxa sobre o carbono, que essencialmente significa aumentar o preço dos combustíveis fósseis de forma proporcional à quantidade de CO2 que emitem quando são queimados. Ao ficarem mais caros, a população reduz o consumo e o mercado busca substitutos para esses combustíveis.
A segunda alternativa é constituir um sistema de cotas de emissões, principalmente para as grandes indústrias, que teria que ser respeitado. Se uma indústria percebesse que ela iria ultrapassar sua cota, poderia eventualmente comprar uma cota de outra indústria que tivesse folga na sua meta. A questão é que existe muita coisa que pode ser feita. O importante agora é fazer.
Quais são as suas expectativas agora que o relatório do PBMC foi lançado?
Uma das conclusões finais do relatório é que não adianta só o Brasil fazer esforço para reduzir suas emissões de gases do efeito estufa. Todos os países devem se mexer. Sendo assim, não acredito que há perspectivas de que algo aconteça ainda nesse ano por causa do lançamento do relatório, mas há sim perspectivas de que as economias caminhem cada vez mais na direção da mitigação de emissões, como já estão fazendo.
No contexto internacional, acredito que evoluímos nos últimos anos na questão das mudanças do clima. Independente dos impasses que continuam nas negociações diplomáticas, há um movimento significativo das grandes potências, como EUA e China, que pode gerar uma importante corrida tecnológica. Cria-se um interesse empresarial em sair na frente no que tange à inovação, para ter vantagem competitiva depois, e o Brasil tem posição interessante nessa disputa por liderança. Se nos mexermos, podemos ter papel importante nesse movimento internacional.
Em linhas gerais, acredito que o lançamento desse relatório nacional e do documento do IPCC, aliado à melhora da economia nacional e internacional, nos dão condições de colocar o tema das mudanças climáticas com maior prioridade na agenda a partir do ano que vem.
National Geographic Brasil 11/09/2013

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