Tasso Azevedo, consultor do ministério do Meio Ambiente em questões de clima e florestas, está definindo os últimos detalhes da pauta que a comissão brasileira defenderá na 15ª Confederação das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (a COP-15), que acontece em dezembro na capital da Dinamarca.
Por Afonso Capelas Jr. e Matthew ShirtsFoto de Luciana de Francesco
Formado em engenharia florestal - profissão incomum no Brasil, mas que tem despertado o interesse de muitos jovens estudantes -, Tasso Azevedo foi, até abril, diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), criado pela ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Hoje, ele é consultor do ministério em questões de clima e florestas. Jovem (37 anos) e determinado, Azevedo acredita que, assim como a internet, sua profissão é um universo de possibilidades a ser ainda explorado. Por isso, além do envolvimento com a posição que o Brasil levará à 15ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (a COP-15), em Copenhague, ele se dedica a estimular o uso das redes sociais da web em benefício do monitoramento voluntário das florestas brasileiras, a fim de gerar conhecimento coletivo e efetiva proteção. Envolvido dia e noite em viagens e reuniões para definir os últimos detalhes da pauta que a comissão brasileira defenderá, em dezembro, na capital da Dinamarca, Azevedo acredita que no encontro "se discutirá o maior desafio da humanidade hoje, cujo interesse é comum a todos nós e de onde esperamos uma decisão importantíssima. Quero ajudar o Brasil a ser, em Copenhague, um dos protagonistas de um acordo".
Qual o desafio para as nações no encontro de Copenhague?
Conseguir um acordo que coloque o mundo num caminho ousado de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) que permita evitarmos que a temperatura média do planeta suba mais de 2ºC no século 21. Não é fácil. A menos de 100 dias de Copenhague, ainda estamos longe de um compromisso da magnitude necessária. O mundo tem de se reinventar, transformar seu modo de vida de forma mais profunda, intensa e rápida que em qualquer outro momento da história, mesmo quando comparado à Revolução Industrial.
Há um consenso em que a biodiversidade do planeta Terra não pode suportar um aumento de 2ºC de temperatura média?
Essa convicção foi se consolidando mundo afora a cada relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês). Até recentemente o Brasil não expressava sua posição sobre esse aumento da temperatura. Em junho, após vários debates internos, assumiu pela primeira vez, em uma submissão à Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas - um documento que o país apresenta para expressar suas posições antes das grandes negociações internacionais -, que nós devemos garantir que a temperatura não supere 2ºC adicionais sob o risco de termos sérias ameaças à vida na Terra. O Brasil foi chave para convencer chineses e indianos a assumirem tal posição, o que possibilitou que o grupo das 17 maiores economias do mundo assinasse a Carta de Aquila, na qual expressam a necessidade de estabelecer metas globais de redução das emissões de GEE para não ultrapassarmos os 2ºC. O Brasil propôs também que isso seja monitorado para que não passemos de 0,2ºC a cada dez anos e, assim, seja possível adaptar o curso de acordo com a performance global.
Quais as consequências caso o limite de 2ºC seja ultrapassado?
Hoje se diz que 2ºC é um aumento de temperatura perigoso, mas é o máximo aceitável. A partir daí os cenários mostram um custo e um risco muito altos para a humanidade se adaptar. Isso está baseado em simulações que estão sendo aperfeiçoadas, no Brasil, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os modelos climáticos com base nos 2ºC de temperatura mostram situações bem difíceis - acima disso, será ainda pior. É o caso da Amazônia: se chegarmos a 3ºC de aumento da temperatura do planeta, podemos ter um processo de seca e de mudança da estação chuvosa que vai alterar completamente a característica física de metade da área de floresta. E isso é um desastre, pois afetará o regime de chuvas no Brasil, com consequências graves na geração de energia e na produção agrícola e pecuária, apenas para citar alguns efeitos. Outro ponto que já chama a atenção é o limite de concentração de carbono na atmosfera, de 450 partes por milhão (ppm de partículas de GEE). Se ficássemos abaixo disso, por volta de 380 ppm, seria melhor. Haveria uma possibilidade maior de a temperatura subir menos de 2ºC.
Será complicado reduzir as emissões a esse nível de tolerância?
Muito. Essa redução depende não só das emissões mas também do chamado "decaimento", o período em que o carbono e outras moléculas equivalentes demoram para desaparecer da atmosfera. Em torno disso há grande polêmica. O efeito do metano é 21 vezes maior que o do carbono, mas parece que seu decaimento é bem mais rápido. Por outro lado, agora está se dizendo que o carbono não vai ficar 100 anos na atmosfera, e sim mais tempo. São questões complexas. O decaimento é um ponto importante porque está ligado a nossa capacidade de reduzir a concentração de gases se ultrapassarmos 450 ppm. De uma maneira simples, toda a vez que emitimos mais GEE do que o planeta é capaz de absorver, somado ao decaimento desses gases, aumentamos a concentração, que hoje está em cerca de 390 ppm e cresce cerca de 2 a 3 ppm por ano.
Já há algum consenso mundial sobre esses limites de concentração na atmosfera? Existem três números muito falados, oriundos de cenários simulados pelo IPCC. Acima de 510 ppm, os cenários mostram que a chance de o aumento de temperatura ficar abaixo de 2ºC é praticamente nula. Já abaixo de 380 ppm, todos os cenários mostram que a temperatura não cresce mais de 2ºC. Então, 450 ppm - número que representa uma chance de cerca de 60% de ficarmos abaixo de 2ºC de aumento de temperatura - têm sido a referência mais usada pelos países.
E o que precisa ser feito para estabilizar abaixo de 450 ppm?
Segundo o IPCC, deveríamos limitar as emissões de GEE em 1,8 mil GtCO₂e (1 bilhão de toneladas de GEE expresso em CO₂ equivalente) ao longo do século. Isso dá cerca de 18 Gt/ano, só que estamos emitindo quase 45 Gt/ano - e as emissões estão crescendo. Se parássemos de crescer nossas emissões até 2020, ainda assim teríamos emitido quase metade do total que poderíamos emitir no século em apenas 20 anos. Considere que 1 Gt e equivale à emissão de 1 bilhão de carros ao longo de um ano. O aumento das emissões hoje acontece nos países em desenvolvimento, sobretudo nos emergentes, em que as emissões per capta ainda são baixas. O desafio, então, é limitar as emissões promovendo uma economia nova, baseada em baixo carbono. É preciso que os mais de 400 milhões de indianos que vivem abaixo da linha da pobreza e quase não emitem GEE, por exemplo, possam se desenvolver, mas sem aumentar as emissões. Ou seja, precisamos descolar o desenvolvimento das emissões de carbono.
Tudo isso é uma reação do planeta à ação do homem?
A Terra existe há bilhões de anos, ou seja, há muito mais tempo que os seres humanos, e vai continuar ainda por muitos outros bilhões de anos. O que temos a fazer é proteger a biosfera, a vida como a conhecemos. No fundo é uma luta para proteger a nós mesmos, nossos filhos e netos.
O que precisa ser alcançado em Copenhague?
Primeiro, deve-se sacramentar o objetivo de manter a temperatura abaixo de 2ºC para que esse ponto seja uma referência na tomada de decisões. Segundo, precisamos acordar uma espécie de orçamento de emissões, ou seja, definir o quanto podemos emitir até o fim do século, com metas para reduzir sistematicamente o nível de emissões globais. Depois, precisamos dividir a responsabilidade para atingir tais metas globais - os países que sempre emitiram mais devem pagar a maior parte da conta. Por fim, há que se criar meios para pôr em prática as ações para atingir essas metas. Isso inclui mecanismos de controle, obrigações e incentivos tanto para mitigação como para adaptação às mudanças climáticas.
Há resistência a esse tipo de acordo conjunto?
Sim, porque o pensamento comum é o seguinte: se os países desenvolvidos não estão conseguindo reduzir suas emissões, mesmo com todo o poder financeiro, como nós, das nações em desenvolvimento, vamos lidar com a redução no futuro, já que dependemos de tecnologia e de recursos que virão dessas nações ricas? Ou seja, os países desenvolvidos precisam resolver o problema deles, além de apoiar as nações em desenvolvimento a se adaptar. Esse debate é legítimo. Estamos todos no mesmo barco e ele está cheio de furos. Não dá para ficar apenas discutindo quem fez os furos. É preciso arregaçar as mangas, todos, para ajudar a manter o barco na superfície.
Como fica o Brasil nessa questão?
Nós somos um país em transição, com potencial para ser o novo paradigma de desenvolvimento. Nos últimos 15 anos, penamos para estabilizar a economia e estabelecer políticas sociais arrojadas, mas agora precisamos dar um salto maior, que é o da sustentabilidade. As ONGs e as universidades vêm operando nessa agenda há alguns anos. Mais recentemente, porém, empresas e movimentos sociais começaram a cobrar do Brasil uma posição de vanguarda em relação ao clima. O governo tem começado a responder a essas demandas, como fez com a definição do Plano Nacional de Mudanças Climáticas e o estabelecimento de metas para redução do desmatamento na Amazônia. Mas é preciso fazer mais.
Quais deveriam ser as prioridades?
Em primeiro lugar, publicar todo ano as estimativas de emissões do Brasil. Depois, ter uma estratégia para implantar uma economia de baixo carbono. Também é necessário um sistema de governança que inclua uma instituição independente para operar políticas relacionadas às mudanças climáticas. Por último, o país precisa criar um plano de adaptação para as mudanças que vão acontecer pelo efeito das emissões já realizadas.
E o que já está sendo feito?
O Ministério do Meio Ambiente está implementando o sistema de estimativa de emissões do Brasil. Também está em curso o trabalho de tentar definir uma trajetória de emissões do país que incorpore não apenas a redução de emissões de desmatamento mas também as emissões da extração e do refino de petróleo do pré-sal, além do aumento das emissões relacionadas à indústria, ao setor de energia e à agropecuária.
A queda do desmatamento compensa o aumento das emissões nos setores energético e industrial?
Em 1994, ano do qual temos os dados do inventário nacional, as emissões eram de cerca de 1,47 GtCO₂e e devem ter subido cerca de 10% a 20% até 2007. Embora o aumento seja pequeno, ele se explica com a queda do desmatamento, pois os setores de energia e indústria elevaram em mais de 60% suas emissões nesse período. O perfil de nossas emissões, que em 1994 era dividido entre desmatamento, agropecuária e indústria/energia na proporção de 55%, 25% e 20%, respectivamente, deve ir para algo como 40%, 30% e 30%, ou seja, nosso perfil de emissões está aumentando com uma matriz energética mais poluente.
Em que situação o país estará em Copenhague?
Nas negociações, o Brasil tem tido historicamente uma posição confortável no seguinte sentido: ele tem uma emissão per capita relativamente baixa, e é um dos países que mais reduziu suas emissões nos últimos anos, por causa da diminuição do desmatamento. Mesmo não tendo obrigações de redução, nós devemos estabilizar ou reduzir nossas emissões até 2020, num desvio de mais de 60% da trajetória de aumento de emissões prevista para os países em desenvolvimento pelo cenário atual.
Quais seriam as propostas?
Os chineses apresentaram uma proposta de trajetória na qual eles continuam crescendo suas emissões até 2020, quando então passam a estabilizá-las e, a partir de 2030, começam a cair. Na minha opinião, não é o suficiente para o planeta. No Brasil, podemos prever uma curva em que o país atinja um pico de emissões nos próximos anos e, em 2020, retorne aos níveis de emissão de 1990. Seria uma proposta agressiva. Mas não é uma equação fácil de definir, uma vez que teremos também de lidar com a realidade do pré-sal, que deve adicionar pelo menos 100 milhões de toneladas nas emissões apenas na extração e no refino, triplicando os números atuais da Petrobras. As indústrias certamente vão cobrar do governo que um esforço delas na redução das emissões não poderá ser uma mera compensação pelas novas emissões do pré-sal. O marco regulatório do pré-sal deveria destinar uma parte importante dos recursos para o desenvolvimento de novas tecnologias e o estímulo à redução das emissões no setor industrial e à construção de uma economia de baixo carbono.
Como o Brasil pode se colocar na vanguarda do debate em torno de uma economia de baixo carbono?
Se o país não tomar uma posição proativa agora, e anunciar que também vai entrar na rota de redução de emissões, não teremos argumentos para fazer com que a modernização na indústria brasileira seja estimulada, incentivada, subsidiada para transformá-la a tempo em um setor de baixa emissão, e a ponto de torná-la competitiva. O pensamento nacional é de que é melhor estar preparado para essa competição. Mas, para mantermos essa vantagem de modernização e crescimento econômico e depois entrar na trajetória de queda das emissões, será preciso nos mobilizarmos agora.
nota: Temos que ser críticos quando falamos em meio ambiente e política. Sejamos críticos e analíticos.
National Geographic Brasil Out/2009