sexta-feira, 26 de março de 2010

Entrevista com o cientista Jefferson Simões


O cientista e explorador polar, Jefferson Simões, liderou a primeira expedição brasileira ao interior do continente antártico. Além de professor no Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, é coordenador-geral do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera

Para Jefferson Cardia Simões, este Natal será bem diferente do de 2008. Ele poderá estar no aconchego de sua casa em Porto Alegre, ao lado da mulher, Ingrid, e dos filhos Felipe, de 22 anos, e Carolina, de 20. “No ano passado, eu estava ao lado de outros sete pesquisadores, ao redor de um pequeno fogão, no interior de uma barraca, à temperatura de 8 graus negativos, a mil quilômetros do polo Sul geográfico. Sorte que havia um bom vinho chileno para esquentar”, lembra-se ele. Desde 1990, Simões já esteve na Antártica 17 vezes. Essa última investida, porém, foi especial: entre 1o de dezembro de 2008 e 13 de janeiro deste ano, liderou a expedição Deserto de Cristal, a primeira incursão nacional ao interior do continente antártico. Cientista com doutorado no Instituto de Pesquisa Polar Scott da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Simões, de 51 anos, é o primeiro brasileiro a especializar-se em glaciologia, a ciência do gelo em todas as suas formas e seu papel no sistema ambiental



Assim, a composição química da atmosfera daquele período fica preservada. Ao se perfurar os poços no gelo, podemos analisar as impurezas e os gases ali contidos e obter inúmeros relatos ambientais ocorridos ao longo do tempo. Entre outros dados, conseguimos olhar para trás e verificar as atividades vulcânicas da Terra, descobrir fontes terrestres de poeira, comprovar a extensão de mares congelados, investigar atividades biológicas terrestres e marinhas e determinar as variações da temperatura da atmosfera. Por meio desses estudos, por exemplo, os cientistas determinaram, desde o início da Revolução Industrial, um aumento de 36% na concentração de dióxido de carbono (CO2), um dos gases responsáveis pelo aquecimento global. As atuais concentrações desse gás são as maiores ao longo dos últimos 800 mil anos.


Qual foi o principal objetivo da expedição Deserto de Cristal?

Fomos à Antártica para, entre outros objetivos, obter o que chamamos de testemunho de gelo. Trata-se de cilindros que têm entre 5 e 10 centímetros de diâmetro retirados do manto de gelo antártico. Conseguimos extrair um testemunho de 95 metros de profundidade que revela a história da precipitação química da atmosfera dos últimos 250 anos. Com isso, podemos entender melhor os processos de mudanças globais no clima.

O que esses indícios de gelo antigo revelam?

Muita coisa. Eles nos contam o que aconteceu na atmosfera terrestre ao longo das últimas centenas ou milhares de anos. Os testemunhos são retirados de geleiras e mantos de gelo formados pela neve que se acumulou em camadas horizontais. Ao cair, a neve carrega consigo inúmeras impurezas presentes na atmosfera. Em seguida, devido à pressão das camadas depositadas posteriormente, a neve se transforma em gelo.

Qual o testemunho mais antigo?

Franceses e italianos extraíram um na Antártica que tem cerca de 800 mil anos. Nos próximos dez anos, o grande desafio é atingir um gelo de 1,5 milhão de anos. No total, foram 44 dias no continente antártico, 16 deles no acampamento avançado, um lugar remoto, a 80 graus de latitude sul.

A Antartica pode também conter indícios dos incêndios florestais comuns no Brasil?
Isso ainda não está claro. No Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera, pretendemos detectar e determinar a quantidade de subprodutos da queima da biomassa, como a da Floresta Amazônica, transportados para a Antártica. Esse trabalho começou no primeiro semestre de 2008
Teremos mais parte da entrevista aguardem...

Outro Saara...

No coração do Saara, a água da chuva que caiu há milênios empoça na cratera vulcânica de Waw na Namus. Ventos carregaram as cinzas da última erupção por 20 quilômetros.


Uma rara vista aérea da região líbia do Fezzan, em que antigas sociedades florescem e desaparecem assim como o vaivém das chuvas.
Por Charles BowdenFoto de George Steinmetz
Um vento milenar sopra des-de as profundezas do tempo. O Saara nos impacta como um inferno perene de dunas sob o céu azul. Suas paisagens nos deslumbram, mas nada indica que estamos diante de um dos maiores depósitos de registros geológicos da Terra. O passado sobrevive ali e nos fala através da areia, das pedras, do calor e dos ventos secos. Sussurra em nossos ouvidos uma história de mudanças climáticas ocorridas aos trancos e solavancos, bem como do avanço e do recuo da humanidade. David Mattingly lidera um time de pesquisadores do Projeto sobre Migrações no Deserto, cujo trabalho nos remete à pré-história. São viajantes do tempo a navegar pelo Saara em busca de vestígios dos nossos antepassados. Eles conquistam dunas com mais de 30 metros de altura e abrem novos caminhos para se apreciar esse deserto. No sudoeste da Líbia, uma região conhecida com Fezzan é o coração palpitante do Saara, um lugar inacessível, repleto de mares de areia, wadis (leitos de rios intermitentes no norte da África), montanhas, platôs, oásis e mistério. Entre 500 a.C. e 500 d.C., estima-se que cerca de 100 mil pessoas viveram da terra ali, em uma área que costuma receber só alguns milímetros de chuva por ano - quando recebe. "É muita gente para os padrões da paisagem hiperárida do Saara central", diz Mattingly. Arqueólogo da Universidade de Leicester, ele tornou-se um escravo do deserto. "Trabalho na Líbia há 30 anos e desde logo fiquei maravilhado com as paisagens." Muitos partilharam da mesma sina. As pessoas ficam viciadas na luz brilhante e nos horizontes limpos. Onde muitos veem um vazio sem fim, outros enxergam a claridade. Se recuarmos até o período entre 1822 e 1825, flagraremos o explorador escocês Hugh Clapperton mergulhado no deserto a sudoeste da Líbia. Em 7 de novembro de 1824, atravessando a secura do chão, Clapperton topa com uma escrava abandonada "para perecer no deserto hoje, com uma cabeça inchada - incapaz de andar - sem reações". Ele encontra um dos criados do amo encolhido ao lado da mulher, "esperando ali pela morte dela, não para enterrá-la, mas para se apoderar dos escassos andrajos que a cobriam". Ela não consegue montar um camelo, está fraca demais. O explorador acha que não deve se demorar ali para não morrer também. O vento é frio, ele observa. E toca em frente. Esse é o Saara dos horrores. Um mar ressecado de areia e pedra, infestado de escorpiões, em que víboras serpenteiam sob um sol inclemente. A Líbia é grande, do tamanho de Itália, França, Espanha e Alemanha juntas. E quase todos os seus 6 milhões de habitantes vivem na costa do Mediterrâneo. Para entender-se a região, devemos dar as costas ao mar e mirar o sul. Noventa e cinco por cento da Líbia são desertos, 20% são dunas e nenhum rio perene passa por ali. O Saara líbio detém o recorde mundial de calor (57,8ºC) e é capaz de gelar os ossos de uma pessoa em uma noite de inverno. Ibrahim al-Koni, o maior romancista do país, foi criado como tuaregue no Fezzan. Em seu livro A Pedra Que Sangra, ele cita uma canção sufi:
O deserto é um verdadeiro tesouro para quem busca refúgio dos homens, da maldade dos homens. Nele há contentamento, nele há morte e tudo que procuras. O Fezzan revela milhares de anos de uma luta da vida contra a mudança, de seres humanos adaptando-se ao meio hostil. É uma máquina do tempo que faz o passado esbofetear nossa cara. Nós, modernos, admitimos com relutância que o passado é a história de mudanças climáticas, de grandes migrações, de ascensão e queda de nações. Mesmo assim, agimos como se nosso presente fosse o capítulo final. No Saara, porém, qualquer visitante se confronta com uma história longa demais a nos lembrar de que o atual capítulo é tênue e frágil.
As investigações de Mattingly levam-no até o Mar de Areia de Ubari, onde, por incrível que pareça, há muitos laguinhos da cor de pedras preciosas, alguns púrpura, outros alaranjados, por causa dos minerais e das algas. Eles são a lembrança quase desidratada de uma época anterior, quando o lençol freático corria mais próximo da superfície que hoje. É difícil imaginar, mas um lago do tamanho da Inglaterra, o Megafezzan, existiu ali há cerca de 200 mil anos, quando chuvas eram abundantes e, como provam os antigos canais, os rios corriam pelo centro do deserto. As mudanças climáticas têm ocorrido feito um interruptor que liga e desliga no Saara. No tempo seco, os lagos minguavam e a vegetação reduzia-se a nichos. Então, quando dias mais úmidos retornavam, os lagos se enchiam e partes do Saara viravam savana. Comunidades humanas pulsaram por lá como uma explosão de plantas depois de uma chuva rara. Nas eras úmidas, prosperavam. Nas secas, encolhiam ou se extinguiam. Com base em imagens de radar, Kevin White e Nick Drake, membros da equipe do Projeto de Migrações, mapearam a localização de resíduos minerais de antigos lagos e nascentes. Depois, os paleoantropólogos Robert Foley e Marta Mirazón Lahr descobriram artefatos de pedra, pontas de flecha, indícios de fogueiras, túmulos. Os mais antigos seres humanos na região eram caçadores e coletores que viviam em uma savana há cerca de 130 mil anos. Esse povo foi sumindo à medida que as chuvas começaram a rarear, 70 mil anos atrás. Quando as chuvas voltaram, as pessoas também retornaram. Riscadas nas pedras do deserto estão as memórias de um Saara mais úmido, quando criaturas dependentes de água, como leões, elefantes e rinocerontes, viviam ali. Algo curioso ocorreu quando a mais recente fase úmida terminou. Há cerca de 5 mil anos, as chuvas cessaram de novo, os lagos desapareceram e o deserto venceu. Dessa vez as pessoas permaneceram. A arte rupestre registra a transição da caça ao pastoreio. Na sequência surgiu uma sociedade que começaria a construir cidades e daria início à agricultura: a civilização garamante. Os garamantes floresceram ali em um clima bem parecido com o do Saara de hoje. Estudiosos achavam que eram nômades do deserto. Mas escavações no sítio em que ficava Garama, sua capital - e onde hoje se ergue Jarmah -, além de sondagens no terreno feitas pela equipe de Mattingly, revelaram que era um povo sedentário, que vivia de agricultura de oásis. Eles construíram um sofisticado sistema de irrigação que lhes permitia plantar trigo, cevada, sorgo, tâmara e azeitona. Canais subterrâneos - chamados de foggaras - levavam a água dos lençóis freáticos aos campos. Quase mil quilômetros desses canais ainda podem ser detectados. O sistema funcionou bem por centenas de anos. Até que a água "fóssil", armazenada nas épocas chuvosas, começou a desaparecer. E a civilização teve fim. O Saara parece uma barreira à primeira vista, dividindo a África em dois pedaços. Mas, para os seres humanos que viveram na Líbia por milhares de anos, era um corredor. Ouro, marfim e escravos chegavam ao norte vindos da África subsaariana. Azeite de oliva, vinho, vidros e outros produtos do Mediterrâneo rumavam para o sul. O comércio criou uma imagem duradoura em nossa cabeça: a caravana trilhando seu caminho por imensas dunas. O corredor do Saara pode ter sido uma das passagens usadas por nossos ancestrais ao deixarem a parte oriental do continente para povoar o resto do mundo. Estudiosos sustentam que os primeiros seres humanos se expandiram para além da África subsaariana rumo à Eurásia, migrando tanto ao longo do rio Nilo quanto através do Sinai ou do mar Vermelho. Agora outra hipótese está sendo explorada: a de que o Fezzan pode ter feito parte de um longo corredor migratório por onde alguns seres humanos modernos chegaram ao litoral do Mediterrâneo e, a partir dali, cruzaram o Sinai. Talvez ao cruzar esse mar de areia, nossos ancestrais tenham caminhado pelo Great Rift Valley, ou, literalmente, o "Vale da Grande Fenda", uma depressão de aproximadamente 6 mil quilômetros de extensão que rasga o território de vários países africanos. E o resultado é sermos quem somos hoje. Mattingly diz que gosta da arqueologia porque "ela traz lições aos dias de hoje". Mil e quinhentos anos após o declínio dos garamantes, o governo líbio está construindo o "Grande Rio Feito pelo Homem", uma série de imensos aquedutos que fará minar antigas reservas de água subterrânea existentes debaixo do Saara, água que será usada para fazer o deserto brotar. A água que está sendo bombada se depositou ali dezenas de milhares de anos atrás, em tempos bem mais úmidos. O lençol d’água já declina por causa do bombeamento. O projeto tem uma vida estimada de apenas 50 ou 100 anos, um piscar de olhos nessa região. O último capítulo do Fezzan ainda está por ser escrito.

Nota do professor: Nada melhor que viajar e conhecer cada pedaçinho do mundo...quem diria que o Saara podeiria dar esse espetáculo...

National Goegraphic Brasil Out/2009

A caminho de Copenhague

Tasso Azevedo, consultor do ministério do Meio Ambiente em questões de clima e florestas, está definindo os últimos detalhes da pauta que a comissão brasileira defenderá na 15ª Confederação das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (a COP-15), que acontece em dezembro na capital da Dinamarca.
Por Afonso Capelas Jr. e Matthew ShirtsFoto de Luciana de Francesco
Formado em engenharia florestal - profissão incomum no Brasil, mas que tem despertado o interesse de muitos jovens estudantes -, Tasso Azevedo foi, até abril, diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), criado pela ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Hoje, ele é consultor do ministério em questões de clima e florestas. Jovem (37 anos) e determinado, Azevedo acredita que, assim como a internet, sua profissão é um universo de possibilidades a ser ainda explorado. Por isso, além do envolvimento com a posição que o Brasil levará à 15ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (a COP-15), em Copenhague, ele se dedica a estimular o uso das redes sociais da web em benefício do monitoramento voluntário das florestas brasileiras, a fim de gerar conhecimento coletivo e efetiva proteção. Envolvido dia e noite em viagens e reuniões para definir os últimos detalhes da pauta que a comissão brasileira defenderá, em dezembro, na capital da Dinamarca, Azevedo acredita que no encontro "se discutirá o maior desafio da humanidade hoje, cujo interesse é comum a todos nós e de onde esperamos uma decisão importantíssima. Quero ajudar o Brasil a ser, em Copenhague, um dos protagonistas de um acordo".
Qual o desafio para as nações no encontro de Copenhague?
Conseguir um acordo que coloque o mundo num caminho ousado de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) que permita evitarmos que a temperatura média do planeta suba mais de 2ºC no século 21. Não é fácil. A menos de 100 dias de Copenhague, ainda estamos longe de um compromisso da magnitude necessária. O mundo tem de se reinventar, transformar seu modo de vida de forma mais profunda, intensa e rápida que em qualquer outro momento da história, mesmo quando comparado à Revolução Industrial.
Há um consenso em que a biodiversidade do planeta Terra não pode suportar um aumento de 2ºC de temperatura média?
Essa convicção foi se consolidando mundo afora a cada relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês). Até recentemente o Brasil não expressava sua posição sobre esse aumento da temperatura. Em junho, após vários debates internos, assumiu pela primeira vez, em uma submissão à Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas - um documento que o país apresenta para expressar suas posições antes das grandes negociações internacionais -, que nós devemos garantir que a temperatura não supere 2ºC adicionais sob o risco de termos sérias ameaças à vida na Terra. O Brasil foi chave para convencer chineses e indianos a assumirem tal posição, o que possibilitou que o grupo das 17 maiores economias do mundo assinasse a Carta de Aquila, na qual expressam a necessidade de estabelecer metas globais de redução das emissões de GEE para não ultrapassarmos os 2ºC. O Brasil propôs também que isso seja monitorado para que não passemos de 0,2ºC a cada dez anos e, assim, seja possível adaptar o curso de acordo com a performance global.
Quais as consequências caso o limite de 2ºC seja ultrapassado?
Hoje se diz que 2ºC é um aumento de temperatura perigoso, mas é o máximo aceitável. A partir daí os cenários mostram um custo e um risco muito altos para a humanidade se adaptar. Isso está baseado em simulações que estão sendo aperfeiçoadas, no Brasil, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os modelos climáticos com base nos 2ºC de temperatura mostram situações bem difíceis - acima disso, será ainda pior. É o caso da Amazônia: se chegarmos a 3ºC de aumento da temperatura do planeta, podemos ter um processo de seca e de mudança da estação chuvosa que vai alterar completamente a característica física de metade da área de floresta. E isso é um desastre, pois afetará o regime de chuvas no Brasil, com consequências graves na geração de energia e na produção agrícola e pecuária, apenas para citar alguns efeitos. Outro ponto que já chama a atenção é o limite de concentração de carbono na atmosfera, de 450 partes por milhão (ppm de partículas de GEE). Se ficássemos abaixo disso, por volta de 380 ppm, seria melhor. Haveria uma possibilidade maior de a temperatura subir menos de 2ºC.
Será complicado reduzir as emissões a esse nível de tolerância?
Muito. Essa redução depende não só das emissões mas também do chamado "decaimento", o período em que o carbono e outras moléculas equivalentes demoram para desaparecer da atmosfera. Em torno disso há grande polêmica. O efeito do metano é 21 vezes maior que o do carbono, mas parece que seu decaimento é bem mais rápido. Por outro lado, agora está se dizendo que o carbono não vai ficar 100 anos na atmosfera, e sim mais tempo. São questões complexas. O decaimento é um ponto importante porque está ligado a nossa capacidade de reduzir a concentração de gases se ultrapassarmos 450 ppm. De uma maneira simples, toda a vez que emitimos mais GEE do que o planeta é capaz de absorver, somado ao decaimento desses gases, aumentamos a concentração, que hoje está em cerca de 390 ppm e cresce cerca de 2 a 3 ppm por ano.
Já há algum consenso mundial sobre esses limites de concentração na atmosfera? Existem três números muito falados, oriundos de cenários simulados pelo IPCC. Acima de 510 ppm, os cenários mostram que a chance de o aumento de temperatura ficar abaixo de 2ºC é praticamente nula. Já abaixo de 380 ppm, todos os cenários mostram que a temperatura não cresce mais de 2ºC. Então, 450 ppm - número que representa uma chance de cerca de 60% de ficarmos abaixo de 2ºC de aumento de temperatura - têm sido a referência mais usada pelos países.
E o que precisa ser feito para estabilizar abaixo de 450 ppm?
Segundo o IPCC, deveríamos limitar as emissões de GEE em 1,8 mil GtCO₂e (1 bilhão de toneladas de GEE expresso em CO₂ equivalente) ao longo do século. Isso dá cerca de 18 Gt/ano, só que estamos emitindo quase 45 Gt/ano - e as emissões estão crescendo. Se parássemos de crescer nossas emissões até 2020, ainda assim teríamos emitido quase metade do total que poderíamos emitir no século em apenas 20 anos. Considere que 1 Gt e equivale à emissão de 1 bilhão de carros ao longo de um ano. O aumento das emissões hoje acontece nos países em desenvolvimento, sobretudo nos emergentes, em que as emissões per capta ainda são baixas. O desafio, então, é limitar as emissões promovendo uma economia nova, baseada em baixo carbono. É preciso que os mais de 400 milhões de indianos que vivem abaixo da linha da pobreza e quase não emitem GEE, por exemplo, possam se desenvolver, mas sem aumentar as emissões. Ou seja, precisamos descolar o desenvolvimento das emissões de carbono.
Tudo isso é uma reação do planeta à ação do homem?
A Terra existe há bilhões de anos, ou seja, há muito mais tempo que os seres humanos, e vai continuar ainda por muitos outros bilhões de anos. O que temos a fazer é proteger a biosfera, a vida como a conhecemos. No fundo é uma luta para proteger a nós mesmos, nossos filhos e netos.
O que precisa ser alcançado em Copenhague?
Primeiro, deve-se sacramentar o objetivo de manter a temperatura abaixo de 2ºC para que esse ponto seja uma referência na tomada de decisões. Segundo, precisamos acordar uma espécie de orçamento de emissões, ou seja, definir o quanto podemos emitir até o fim do século, com metas para reduzir sistematicamente o nível de emissões globais. Depois, precisamos dividir a responsabilidade para atingir tais metas globais - os países que sempre emitiram mais devem pagar a maior parte da conta. Por fim, há que se criar meios para pôr em prática as ações para atingir essas metas. Isso inclui mecanismos de controle, obrigações e incentivos tanto para mitigação como para adaptação às mudanças climáticas.
Há resistência a esse tipo de acordo conjunto?
Sim, porque o pensamento comum é o seguinte: se os países desenvolvidos não estão conseguindo reduzir suas emissões, mesmo com todo o poder financeiro, como nós, das nações em desenvolvimento, vamos lidar com a redução no futuro, já que dependemos de tecnologia e de recursos que virão dessas nações ricas? Ou seja, os países desenvolvidos precisam resolver o problema deles, além de apoiar as nações em desenvolvimento a se adaptar. Esse debate é legítimo. Estamos todos no mesmo barco e ele está cheio de furos. Não dá para ficar apenas discutindo quem fez os furos. É preciso arregaçar as mangas, todos, para ajudar a manter o barco na superfície.
Como fica o Brasil nessa questão?
Nós somos um país em transição, com potencial para ser o novo paradigma de desenvolvimento. Nos últimos 15 anos, penamos para estabilizar a economia e estabelecer políticas sociais arrojadas, mas agora precisamos dar um salto maior, que é o da sustentabilidade. As ONGs e as universidades vêm operando nessa agenda há alguns anos. Mais recentemente, porém, empresas e movimentos sociais começaram a cobrar do Brasil uma posição de vanguarda em relação ao clima. O governo tem começado a responder a essas demandas, como fez com a definição do Plano Nacional de Mudanças Climáticas e o estabelecimento de metas para redução do desmatamento na Amazônia. Mas é preciso fazer mais.
Quais deveriam ser as prioridades?
Em primeiro lugar, publicar todo ano as estimativas de emissões do Brasil. Depois, ter uma estratégia para implantar uma economia de baixo carbono. Também é necessário um sistema de governança que inclua uma instituição independente para operar políticas relacionadas às mudanças climáticas. Por último, o país precisa criar um plano de adaptação para as mudanças que vão acontecer pelo efeito das emissões já realizadas.
E o que já está sendo feito?
O Ministério do Meio Ambiente está implementando o sistema de estimativa de emissões do Brasil. Também está em curso o trabalho de tentar definir uma trajetória de emissões do país que incorpore não apenas a redução de emissões de desmatamento mas também as emissões da extração e do refino de petróleo do pré-sal, além do aumento das emissões relacionadas à indústria, ao setor de energia e à agropecuária.
A queda do desmatamento compensa o aumento das emissões nos setores energético e industrial?
Em 1994, ano do qual temos os dados do inventário nacional, as emissões eram de cerca de 1,47 GtCO₂e e devem ter subido cerca de 10% a 20% até 2007. Embora o aumento seja pequeno, ele se explica com a queda do desmatamento, pois os setores de energia e indústria elevaram em mais de 60% suas emissões nesse período. O perfil de nossas emissões, que em 1994 era dividido entre desmatamento, agropecuária e indústria/energia na proporção de 55%, 25% e 20%, respectivamente, deve ir para algo como 40%, 30% e 30%, ou seja, nosso perfil de emissões está aumentando com uma matriz energética mais poluente.
Em que situação o país estará em Copenhague?
Nas negociações, o Brasil tem tido historicamente uma posição confortável no seguinte sentido: ele tem uma emissão per capita relativamente baixa, e é um dos países que mais reduziu suas emissões nos últimos anos, por causa da diminuição do desmatamento. Mesmo não tendo obrigações de redução, nós devemos estabilizar ou reduzir nossas emissões até 2020, num desvio de mais de 60% da trajetória de aumento de emissões prevista para os países em desenvolvimento pelo cenário atual.
Quais seriam as propostas?
Os chineses apresentaram uma proposta de trajetória na qual eles continuam crescendo suas emissões até 2020, quando então passam a estabilizá-las e, a partir de 2030, começam a cair. Na minha opinião, não é o suficiente para o planeta. No Brasil, podemos prever uma curva em que o país atinja um pico de emissões nos próximos anos e, em 2020, retorne aos níveis de emissão de 1990. Seria uma proposta agressiva. Mas não é uma equação fácil de definir, uma vez que teremos também de lidar com a realidade do pré-sal, que deve adicionar pelo menos 100 milhões de toneladas nas emissões apenas na extração e no refino, triplicando os números atuais da Petrobras. As indústrias certamente vão cobrar do governo que um esforço delas na redução das emissões não poderá ser uma mera compensação pelas novas emissões do pré-sal. O marco regulatório do pré-sal deveria destinar uma parte importante dos recursos para o desenvolvimento de novas tecnologias e o estímulo à redução das emissões no setor industrial e à construção de uma economia de baixo carbono.
Como o Brasil pode se colocar na vanguarda do debate em torno de uma economia de baixo carbono?
Se o país não tomar uma posição proativa agora, e anunciar que também vai entrar na rota de redução de emissões, não teremos argumentos para fazer com que a modernização na indústria brasileira seja estimulada, incentivada, subsidiada para transformá-la a tempo em um setor de baixa emissão, e a ponto de torná-la competitiva. O pensamento nacional é de que é melhor estar preparado para essa competição. Mas, para mantermos essa vantagem de modernização e crescimento econômico e depois entrar na trajetória de queda das emissões, será preciso nos mobilizarmos agora.
nota: Temos que ser críticos quando falamos em meio ambiente e política. Sejamos críticos e analíticos.
National Geographic Brasil Out/2009

Nemo...Nemo... Cadê você Nemo???


Peixe-palhaço (Amphiprion percula) e anêmona (Heteractis magnífica), na grande barreira de coral, na Austrália. Ao cair da noite, uma anêmona-do-mar contrai-se e fica parecida com um vaso de argila. Os tentáculos que permanecem expostos são suficientes para fornecer abrigo aos peixes-palhaço residentes, que podem crescer até 7 centímetros. A cor do corpo desta anêmona varia entre laranja, rosa, azul, verde, vermelho e branco.Foto de David Doubilet

Fantástico


Peixe-palhaço (Amphiprion Frenatus), nas Filipinas. Um espécime macho zela por sua ova em crescimento como um jardineiro dedicado, removendo os embriões mortos. Ele oxigena os ovos abanando-os com as nadeiras peitorais.Foto de David Doubilet

Peixe Palhaço Amphiprion chrysopterus


Peixe-palhaço (Amphiprion chrysopterus) e anêmona (Stichodactyla mertensii), em Papua-Nova Guiné. Entranhados para passar a noite no aconchegante refúgio dos tentáculos urticantes da anêmona, peixes-palhaço (Amphiprion chrysopterus) (macho à esquerda; fêmea à direita) protegem-se de predadores, como a garoupa.Foto de David Doubilet

Peixe Palhaço dando seu show


Peixe-palhaço (Premnas biaculeatus) e anêmona (Entacmaea quadricolor), em Papua-Nova Guiné. Branqueada pelas altas temperaturas da água, esta anêmona de pontas bulbosas quase não tem algas que forneçam cor e energia provenientes da fotossíntese. Mesmo estressada, ela sobreviverá e continuará a ser útil a seus peixes-palhaço.Foto de David Doubilet

domingo, 14 de março de 2010

O que é o IPCC????

Vamos entender o que é o IPCC...

Ao longo de 2007, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) se tornou uma das referências mais citadas nas discussões sobre mudança climática. O órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou quatro capítulos que, juntos, formam um relatório completo sobre o aquecimento global hoje. O documento gerou tanta repercussão que, no fim do ano, o comitê de premiação do Nobel decidiu dedicar o honroso Prêmio Nobel da Paz ao IPCC – junto com o ex-vice-presidente americano Al Gore –, por seu trabalho de conscientização da comunidade e dos líderes internacionais para o problema e as conseqüências da mudança climática.Entenda algumas das principais questões envolvendo o IPCC e suas descobertas:O que é o IPCC?O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) é um órgão composto por delegações de 130 governos para prover avaliações regulares sobre a mudança climática. Nasceu em 1988, da percepção de que a ação humana poderia estar exercendo uma forte influência sobre o clima do planeta e que é necessário acompanhar esse processo.Desde então, o IPCC tem publicado diversos documentos e pareceres técnicos. O primeiro Relatório de Avaliação sobre o Meio Ambiente (Assessment Report, ou simplesmente AR) foi publicado em 1990 e reuniu argumentos em favor da criação da Convenção do Quadro das Nações Unidas para Mudanças do Clima (em inglês, UNFCC), a instância em que os governo negociam políticas referentes à mudança climática.O segundo relatório do IPCC foi publicado em 1995 e acrescentou ainda mais elementos às discussões que resultaram na adoção do Protocolo de Kyoto dois anos depois, graças ao trabalho da UNFCC. O terceiro relatório do IPCC foi publicado em 2001. Em 2007, o grupo está publicando seu quarto grande relatório.Desde o primeiro relatório, e isso foi válido também para 2007, o trabalho do IPCC é publicado em quatro etapas e é produzido por três grupos de trabalho. O primeiro grupo é responsável pelo primeiro capítulo, que reúne evidências científicas de que a mudança climática se deve à ação do homem (neste ano, foi publicado em fevereiro); o segundo trata das conseqüências da mudança climática para o meio ambiente e para a saúde humana (o deste ano, foi publicado em abril); e o terceiro estuda maneiras de combater a mudança climática e prover alternativas de adaptação das populações (publicado em maio). Um quarto capítulo sintetiza as conclusões dos anteriores (publicado em novembro).É importante notar que o IPCC não realiza pesquisas científicas, mas avalia as investigações existentes. Os diversos governos envolvidos recebem rascunhos dos estudos com meses de antecedência, para que façam comentários, sugiram mudanças ou aportem novos dados aos textos.Por que só agora o IPCC gerou tanta repercussão?Desde a criação do grupo, neste ano, pela primeira vez, os cientistas reunidos no IPCC demonstraram tanta confiança em que a mudança climática se deve à ação humana, sobretudo através da emissão de gases como o dióxido de carbono (CO2), óxido nitroso (N2O) e metano (CH4), que causam o efeito estufa.Por falta de dados, o IPCC ainda não pode dar esta suposição como certa. Mas os estudos publicados e analisados permitiram ao órgão qualificá-la como “muito provável” (ou seja, com mais de 90% de certeza). No relatório de 2001, o IPCC considerou essa hipótese apenas como “provável” (com mais de 66% de certeza). O IPCC concluiu ainda que a ação humana é provavelmente a maior responsável pelo aquecimento global nos últimos 50 anos, e que os efeitos desta influência se estendem a outros aspectos do clima, como elevação da temperatura dos oceanos, variações extremas de temperatura e até padrões dos ventos.Que outras conclusões importantes tirou o IPCC?O IPCC estima que até o fim deste século a temperatura da Terra deve subir entre 1,8ºC e 4ºC, o que aumentaria a intensidade de tufões e secas. Nesse cenário, um terço das espécies do planeta estaria ameaçada. Populações estariam mais vulneráveis a doenças e desnutrição.O grupo também calcula que o derretimento das camadas polares pode fazer com que os oceanos se elevem entre 18 cm e 58 cm até 2100, fazendo desaparecer pequenas ilhas e obrigando centenas de milhares de pessoas a engrossar o fluxo dos chamados “refugiados ambientais” – pessoas que são obrigadas a deixar o local onde vivem em conseqüência da piora do meio ambiente. A estimativa do IPCC é de que mais de 1 bilhão de pessoas poderia ficar sem água potável por conta do derretimento do gelo no topo de cordilheiras importantes, como o Himalaia e os Andes.Essas cordilheiras geladas servem como ‘depósitos naturais’ que armazenam a água da chuva e a liberam gradualmente, garantindo um abastecimento constante dos rios que sustentam populações ribeirinhas. Para o IPCC, os países poderiam diminuir os efeitos maléficos do aquecimento global estabilizando em um patamar razoável as emissões de carbono até 2030 – e isto custaria 3% do PIB mundial.
Há partes sobre o Brasil nos relatórios do IPCC?
Em seu segundo relatório, o IPCC alerta que partes da Amazônia podem virar savana. Em entrevistas com jornalistas, cientistas disseram que entre 10% e 25% da floresta poderia desaparecer até 2080. O órgão concluiu que existe uma possibilidade de 50% de que a maior floresta tropical do mundo se transforme parcialmente em cerrado.Há riscos também para o Nordeste brasileiro, que poderia ver, no pior cenário, até 75% de suas fontes de água desaparecerem até 2050. Os manguezais também seriam afetados pela elevação do nível da água.Entretanto, o IPCC tem sublinhado a falta de dados patente em países emergentes e menos desenvolvidos. Como resultado, as conclusões do grupo são menos incisivas nas chamadas "questões regionais".
As conclusões do IPCC sofrem influência política?
O IPCC procura manter seu perfil cientifico, mas sofre pressões políticas. Não tanto nos capítulos científicos, mas principalmente em resumos destinados aos formuladores de políticas públicas, divulgados junto com os pareceres.Países como os Estados Unidos e a China, que estão entre os maiores poluidores do mundo, em geral exercem influência para apresentar a sua versão sobre os problemas e conclusões sobre o aquecimento. Como estes documentos também são revisados pelos governos, a síntese é, antes de tudo, um retrato do que todos os países, indistintamente, concordam.Alguns pesquisadores do IPCC condenam este tipo de influência, mas muitos consideram legítimos os lobbies nacionais, desde que eles sejam defendidos pelos diplomatas dos governos, e não pelos cientistas.
Até que ponto o relatório do IPCC pode ter implicações políticas?
É difícil medir o impacto político efetivo do relatório e do processo. O que é possível afirmar é que a repercussão das conclusões do IPCC e a ampla cobertura que a mídia em todo o mundo tem dado ao assunto, especialmente por causa do trabalho do grupo, colocou definitivamente a mudança climática entre as grandes questões mundiais e um dosprinciapis temas da agenda política em diversos países.Espera-se também que o relatório de 2007 reforce a necessidade de compromissos internacionais práticos para combater a mudança climática, da mesma maneira que o terceiro relatório do IPCC, publicado em 1995, desembocou no Protocolo de Kyoto, de 1997.Em 2007, a quarta avaliação do IPCC é concluída menos de um mês antes de uma reunião da UNFCC. A pesquisadora brasileira Thelma Krug, que coordena um dos grupos de trabalho do IPCC, disse que discursos que não citem as conclusões do IPCC serão “exceção” no encontro, que ocorrerá em Bali, na Indonésia, e deverá definir ações globais que deverão ser tomadas depois que o protocolo de Kyoto chegar ao fim, em 2012.
Mundo Vestibular

A Terra em alerta


O planeta esquenta e a catástrofe é iminente. Mas existe solução
Ondas de calor inéditas. Furacões avassaladores. Secas intermináveis onde antes havia água em abundância. Enchentes devastadoras. Extinção de milhares de espécies de animais e plantas. Incêndios florestais. Derretimento dos pólos. E toda a sorte de desastres naturais que fogem ao controle humano.
Há décadas, pesquisadores alertavam que o planeta sentiria no futuro o impacto do descuido do homem com o ambiente. Na virada do milênio, os avisos já não eram mais necessários – as catástrofes causadas pelo aquecimento global se tornaram realidades presentes em todos os continentes do mundo. O desafios passaram a ser dois: se adaptar à iminência de novos e mais dramáticos desastres naturais; e buscar soluções para amenizar o impacto do fenômeno.
Em tempos de aquecimento planetário, uma nova entidade internacional tomou as páginas de jornais e revistas de toda a Terra – o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), criado pela ONU para buscar consenso internacional sobre o assunto. Seus aguardados relatórios ganharam destaque por trazer as principais causas do problema, e apontar para possíveis caminhos que podem reverter alguns pontos do quadro.
Em 2007, o painel escreveu e divulgou três textos. No primeiro, de fevereiro, o IPCC responsabilizou a atividade humana pelo aquecimento global – algo que sempre se soube, mas nunca tinha sido confirmado por uma organização deste porte. Advertiu também que, mantido o crescimento atual dos níveis de poluição da atmosfera, a temperatura média do planeta subirá 4 graus até o fim do século. O relatório seguinte, apresentado em abril, tratou do potencial catastrófico do fenômeno e concluiu que ele poderá provocar extinções em massa, elevação dos oceanos e devastação em áreas costeiras.
A surpresa veio no terceiro documento da ONU, divulgado em maio. Em linhas gerais, ele diz o seguinte: se o homem causou o problema, pode também resolvê-lo. E por um preço relativamente modesto – pouco mais de 0,12% do produto interno bruto mundial por ano até 2030. Embora contestado por ambientalistas e ONGs verdes, o número merece atenção.
O 0,12% do PIB mundial seria gasto tanto pelos governos, para financiar o desenvolvimento de tecnologias limpas, como pelos consumidores, que precisariam mudar alguns de seus hábitos. O objetivo final? Reduzir as emissões de gases do efeito estufa, que impede a dissipação do calor e esquenta a atmosfera.
O aquecimento global não será contido apenas com a publicação dos relatórios do IPCC. Nem com sua conclusão de que não sai tão caro reduzir as emissões de gases. Apesar de serem bons pontos de partida para balizar as ações, os documentos não têm o poder de obrigar uma ou outra nação a tomar providências. Para a obtenção de resultados significativos, o esforço de redução da poluição precisa ser global. O fracasso do Tratado de Kioto, ao qual os Estados Unidos, os maiores emissores de CO2 do mundo, não aderiram, ilustra os problemas colocados diante das tentativas de conter o aquecimento global.

Paraíso de gelo

Pedaços de gelo no mar de Barents ainda são capazes de suportar o peso de um urso, mas este macho jovem salta para um mundo em mutação.
A vida abundante de Svalbard, o arquipélago ártico da Noruega, enfrenta derretimento gradual.
Cinco minutos passados da meia-noite em Svalbard: o mundo selvagem está desperto e faz muito barulho. No limite de um estuário no Adventdalen, um vale em um aglomerado de ilhas a meio caminho da Noruega e do polo Norte, um bando de andorinhas-do-mar-árticas voam na luz diurna perpétua. Elas estão agitadas. Um par de gaivotas-hiperbóreas - ladras de ovos, as predadoras aladas mais formidáveis do Ártico - aproxima-se pelo leste. As andorinhas preparam defesa ferrenha. Exibem o bico vermelho para as gaivotas e se transformam em uma nuvem afiada. O truque funciona. As gaivotas passam pelas andorinhas e avançam terra adentro, passam por um par de patos eider-edredão que fazem ninho no solo, por um canil de cães puxadores de trenó e por uma rena solitária que se alimenta na tundra. É uma noite típica de verão em Svalbard, um refúgio totalmente atípico no alto Ártico que apresenta gama abundante e extraordinária de vida selvagem. Poucos lugares na região circumpolar são capazes de se equiparar à área em densidade biológica. Ursos polares proliferam aqui. Aproximadamente a metade dos 3 mil ursos da população do mar de Barents cria seus filhotes nas ilhas isoladas do arquipélago, e os seres humanos são acautelados a não se aventurar além dos limites da cidade sem uma espingarda para se protegerem do Ursus maritimus. Aves marinhas migram para Svalbard aos milhares. Cinco espécies de focas e 12 tipos de baleia se alimentam nas águas próximas a seu litoral. Morsas atlânticas prosperam com o rico sortimento de mariscos ao longo das águas rasas do mar de Barents. Na tundra aberta dos platôs e vales de Svalbard, renas pastam e raposas do Ártico caçam sem predadores. Para um observador humano, o terreno é duro, austero, implacável. Mais da metade do solo disponível está encapsulado em gelo glacial. Menos de 10% oferece luz e terra suficiente para dar suporte a vegetação. Em uma escalada de verão pelas encostas pedregosas do Nordenskiöldfjellet (monte Nordenskiöld), eu contei apenas sete espécies diferentes de plantas em cinco horas - e as que eu vi se agarravam a uma existência tênue, apertadas entre placas de pedra quebrada como proteção, como ermitões em um deserto. Anos atrás, quando o arqueólogo dinamarquês Povl Simonsen considerou os limites da sobrevivência humana no norte extremo, ele falou da "linha do possível". Durante a maior parte de sua história, Svalbard existiu além dessa linha. Civilizações antigas nunca chegaram até aqui. Os vikings não colonizaram a área. Os inuits ficaram longe. Mesmo hoje, quando os turistas podem desfrutar de voos diários de Oslo, apenas 2,5 mil pessoas vivem aqui o ano todo, muitas delas empregadas das minas de carvão de Svalbard. O inverno traz a escuridão perpétua. Mas, para um número seleto de espécies, Svalbard funciona como berço de vida extraordinário. E o segredo do lugar não está na terra. As forças de comando em Svalbard são a água, a luz e a temperatura. Aqui, a máquina biótica é alimentada pela Corrente do Golfo, que sobe pela costa leste dos Estados Unidos. Se você pegasse uma carona no entroncamento principal da Corrente do Golfo, a Corrente do Atlântico Norte, até o fim dele, acabaria na Corrente West Spitsbergen, próxima ao litoral de Svalbard. Ali, a corrente quente e salgada (apesar de o termo "quente" ser bem relativo com a temperatura de 5,5ºC) mantém a água praticamente livre de gelo e enormes quantidades de plâncton se proliferam ali a cada primavera. O plâncton atrai baleias e enormes cardumes de Mallotus villosus e de Boreogadus saida, que fornecem alimento para aves marinhas e focas. A abundância de focas, por sua vez, mantém os ursos polares de Svalbard alimentados. Ursos adultos consomem uma quantidade enorme de gordura de foca - principalmente de foca-anelada e de foca-barbuda. Esse alimento produz a energia necessária para manter o corpo enorme dos ursos (os machos costumam pesar 590 quilos, as fêmeas, a metade disso) em movimento por uma área que pode cobrir de 155 quilômetros quadrados a 370 mil quilômetros quadrados. As águas ricas em energia próximas ao litoral também atraem infusão anual de aves marinhas. Todo mês de maio e junho, quando o gelo encolhe e a tundra fica livre de neve, mais de três milhões de aves se dirigem a Svalbard. Os números são vastos, mas não a variedade. Apenas cerca de 28 espécies são consideradas comuns ou abundantes, e apenas uma - o lagópode-branco de Svalbard - é capaz de sobreviver no local o ano todo. As aves migram para cá em busca da reprodução segura e do banquete ininterrupto. Um desvio geológico faz com que a coisa toda funcione. Em alguns pontos, a linha do litoral de Svalbard se ergue do mar em penhascos quase verticais. Mas não são paredões lisos. As encostas contém milhões de protuberâncias rochosas largas o suficiente para dar suporte a um ninho, mas com frequência precárias demais para predadores como a raposa do Ártico.É um ambiente perfeito para a reprodução. Pares de fulmares-glaciais, araus de Brünnich e gaivotas-tridáctilas, às vezes misturados na mesma encosta, ocupam uma pedra durante toda a temporada e criam seus filhotes com frutos do mar disponíveis logo ali ao lado, em oferta durante as 24 horas de cada dia do verão sem noite. Quando os pássaros tomam conta de uma encosta, a transformação pode ser profunda. Certa vez, quando navegava a bordo de uma antiga traineira de pescaria ao redor de um fjord interno de Spitsbergen, ergui os olhos e enxerguei uma leve poeira de neve em um penhasco cinzento. Ao observar a cena mais de perto com binóculo, percebi que aquilo não era neve. Era a mistura de milhares de gaivotas-tridáctilas fazendo ninho em protuberâncias de pedra da encosta. A cabeça branca delas criava um efeito pontilhado a quilômetros de distância. Por mais impressionantes que as aves de verão de Svalbard sejam, elas são um tipo de aproveitadoras da natureza: vão para lá quando tudo está bom e somem quando fica ruim. Quando chega setembro, a maior parte delas voa para o sul. É difícil não reservar respeito para os habitantes de Svalbard que ficam lá o ano inteiro. Cada um deles parece empregar uma entre duas estratégias comuns para sobreviver ao inverno brutal do Ártico: continuar caçando ou fazer uma reserva extra de energia. O mestre da primeira tática é o urso polar, é claro, que passa boa parte do inverno rodeando buracos de respiração de focas, esperando o jantar vir à tona. A raposa do Ártico emprega estratégia híbrida. Continua caçando com sua camuflagem de pelo branco, mas, quando a situação aperta, recorre a estoques de alimento preparados meses antes. Em regiões mais temperadas, a reputação da raposa por suas matanças - ela enlouquece no galinheiro e mata muito mais aves do que é capaz de comer - lhe valeu a inimizade dos fazendeiros, mas, aqui, matar a mais para fazer estoque geralmente significa a diferença entre vida ou morte. Tanto para renas quanto para lagópodes-brancos, armazenar energia extra significa uma coisa: engordar. Observar uma rena pastando à meia-noite em Svalbard é presenciar um acontecimento extraordinário. A rena aqui, assim como o lagópode, deixa para lá os ritmos noturnos que governam a vida da maior parte dos animais. Elas comem e comem e comem, então descansam um pouco, e daí comem um pouco mais, independentemente da hora do dia. A rena forma camada de gordura que pode chegar a dez centímetros. Quando o alimento escasseia no inverno, a gordura funciona como reserva de energia da rena. Os sobreviventes selvagens de Svalbard descobriram como se adaptar a grande escuridão do Ártico, ao frio cortante e à vegetação rala. Mas existe uma mudança que chegou rápido demais para dar tempo à mudança evolucionária: os seres humanos. Entre os séculos 17 e 19, caçadores de baleia navegaram até Svalbard para caçar os poderosos cetáceos da região, cuja grossa camada de gordura podia ser transformada em óleo de baleia e, em última instância, em belos lucros. Em uma viagem a Svalbard em 1612, o capitão de um navio holandês relatou que o mar de Barents era tão cheio de baleias que a proa do navio cortava os animais ao meio como se estivesse abrindo caminho pelo gelo. No final do século 18, o apetite insaciável do mundo por óleo de baleia quase tinha acabado com elas. Cerca de 50 mil baleias-da-groenlândia, o mamífero mais longevo do planeta, foram abatidas só por embarcações holandesas. A carnificina comercial quase levou a espécie à extinção. (Hoje, mais de dez mil baleias-da-groenlândia sobrevivem, em sua maior parte nos mares de Bering, Chukchi e Beaufort.) Depois de aproveitar bem as baleias, os caçadores voltaram a atenção para as morsas - devido às presas de marfim - e também quase acabaram com essa espécie também. No final da Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Svalbard Treaty deu à Noruega a soberania sobre o arquipélago, cujos recursos também eram cobiçados pela Suécia e pela Rússia. O tratado acabou sendo um ponto de virada. No decurso do século 20, o governo norueguês acabou com o acesso irrestrito e transformou uma das maiores áreas de matança de animais selvagens do mundo em um de seus santuários mais protegidos. Hoje, cerca de 65% das ilhas de Svalbard e 75% de suas áreas marinhas pertencem a parques nacionais ou reservas naturais. Uma coisa notável acontece quando se fornece hábitat e paz aos animais. Eles proliferam. A população de morsas de Svalbard, que contava com algumas poucas centenas de animais na década de 1950, recuperou-se para mais de 2,6 mil em 2006. Na década de 1920, apenas mil renas pastavam nos vales. Hoje, alguns especialistas acreditam que haja número tão grande quanto 10 mil delas. O tempo da matança desenfreada se foi, mas os seres humanos continuam a pressionar a vida selvagem de maneiras indiretas. Toxinas como compostos bifenilpoliclorados e perfluorinados chegam até Svalbard pelo ar e nas correntes oceânicas e penetram no tecido gorduroso de gaivotas-hiperbóreas, mandriões-grandes, raposas do Ártico e focas aneladas, comprometendo o sistema imune dos animais. Ursos polares exibem níveis muito mais altos desses poluentes do que seus pares do Alasca e do Canadá. Ao mesmo tempo, as mudanças climáticas forçam retração da cobertura de gelo no verão, o que representa ameaça aos ursos polares da região. A vida selvagem que prolifera aqui se adaptou a um dos hábitats mais severos da Terra. Com o aumento da temperatura, aves, peixes e mamíferos serão forçados a se adaptar ainda mais. Talvez haja motivo de esperança nas maneiras curiosas como a vida selvagem de Svalbard já se ajustou aos seres humanos, o predador que se transformou em protetor. No posto avançado de mineração de carvão de Barentsburg, dúzias de gaivotas-tridáctilas transformaram construções abandonadas em penhascos de pássaros improvisados, fazendo seus ninhos no peitoril das janelas. À meia-noite ou ao meio-dia - não faz diferença para os pássaros - os pais saltam dos peitoris para mergulhar atrás de cardumes de peixes no porto lá embaixo. A sua própria maneira discreta, as gaivotas estão expandindo a linha do possível de janela em janela. É criativo mas, para Svalbard, nada fora do comum. Aqui, a oportunidade e a abundância costumam aparecer em locais improváveis.
REVISTA NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL OUT/2009

Banheira de carbono

No gráfico, a quantidade de carbono eliminada no planeta.


É simples: enquanto despejarmos CO2 na atmosfera mais rápido do que a natureza se livrar dele pelo ralo, a temperatura do planeta vai continuar subindo. Pois esse carbono extra leva muito tempo para ser eliminado.
Por Robert Kunzig

Uma falha humana básica, segundo John Sterman, atrapalha ações contra o aquecimento global. Sterman fala de uma limitação cognitiva, "um problema no raciocínio humano", que constatou em testes com alunos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). Professor de dinâmica de sistemas, Sterman diz que seus alunos, embora acostumados a lidar com cálculos, não têm compreensão intuitiva de um sistema ao mesmo tempo simples e crucial: uma banheira.Pense em uma banheira na qual a torneira e o ralo estão abertos. O nível de água pode representar fatores do mundo moderno. Um deles é o total de dióxido de carbono na atmosfera da Terra. Outros dois são a cintura de uma pessoa e o débito em seu cartão de crédito. Em todos esses três casos, o nível de água na banheira só diminui quando a vazão pelo ralo é maior que a entrada de água pela torneira - ou seja, quando queimamos mais calorias do que ingerimos ou quando saldamos débitos antigos com maior rapidez do que contraímos dívidas.As plantas, os oceanos e as rochas drenam o carbono da atmosfera, mas em ritmo lento. Serão precisos centenas de anos para que seja removida a maior parte de CO2 que os seres humanos jogam na banheira, e centenas de milhares para ser eliminado. A interrupção do aumento de CO2, portanto, exigirá cortes brutais nas emissões de carros, termelétricas e fábricas, até que a entrada de água na banheira seja inferior à vazão do ralo.A maioria dos alunos de Sterman não entende isso, ao menos quando o problema é descrito com a terminologia referente às questões climáticas. Eles imaginavam que o mero congelamento das emissões em seus atuais níveis evitaria o aumento de CO2 na atmosfera – como se a água que escorre de uma torneira em ritmo constante não pudesse provocar o transbordamento da banheira. Se alunos de uma escola tão prestigiosa quanto o MIT não entendem o que está em jogo, é provável que o mesmo ocorra com a maioria dos políticos.Até 2008, o índice de CO2 na banheira era de 385 partes por milhão (ppm) e aumentava no ritmo de 2 ou 3 ppm por ano. Segundo Sterman, para estabilizar esse crescimento em 450 ppm, número que os cientistas consideram alto, o mundo teria de reduzir as emissões em 80% até 2050. Neste mês, quando diplomatas estiverem reunidos em Copenhagen para negociar um tratado sobre o clima, Sterman estará lá com seus programas informatizados que mostram de maneira imediata como os cortes de emissões propostos afetariam o nível na banheira - e, portanto, a temperatura do planeta. Em geral, no fim de seu curso, os alunos entendem bem melhor a dinâmica da banheira - e esse é um motivo de esperança. "As pessoas podem aprender isso", diz ele.
REVISTA NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL DEZ/2009

Pequena solução nuclear

8 000 é a quantidade aproximada de residências cujo consumo de eletricidade poderia ser atendido por um minirreator de 10 MW.
Elas não emitem CO2, são baratas e, para os especialistas, seguras. Uma miniusina nuclear subterrânea poderia gerar eletricidade para uma cidade pequena.

A energia nuclear vem ganhando novos adeptos nos últimos tempos, sobretudo como alternativa aos sujos combustíveis fósseis. Usinas nucleares, porém, tendem a ser enormes, atendem às necessidades de apenas uma cidade média e, para piorar, exigem investimentos de bilhões de dólares. Por isso, agora, surgem protótipos de reatores menores. "Pequenos reatores talvez sejam uma solução para os obstáculos de natureza financeira", diz Richard Lester, chefe do departamento de ciência e engenharia nucleares do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). A construção de reatores gigantescos, ressalta, não é a única maneira de obter economia de escala; é possível alcançar o mesmo objetivo com a produção em massa de miniusinas mais baratas. Se for projetada de maneira modular, uma única unidade poderia gerar energia para um vilarejo remoto, ao passo que uma dúzia delas conectadas geraria tanta energia quanto uma usina tradicional. No mundo desenvolvido, os minirreatores não representariam uma carga excessiva para as redes de transmissão já sobrecarregadas. E a possibilidade de instalar apenas uma unidade, e gradualmente acrescentar outros módulos, seria atraente para companhias de eletricidade em outros países.Nenhum dos novos reatores pequenos está em funcionamento. Alguns, como o projetado pela empresa NuScale Power, são reatores de água leve que se assemelham aos usados na propulsão de navios de guerra. Outros são mais inovadores. A Toshiba e o Instituto de Pesquisa do Setor de Geração Elétrica do Japão estão desenvolvendo uma "bateria nuclear" refrigerada a sódio líquido. Instalado no subsolo, esse reator poderia gerar 10 MW por 30 anos sem ser reabastecido.Além do custo mais baixo, alguns reatores pequenos podem ser mais seguros, diz Vladimir Kuznetsov, da Agência Internacional de Energia Atômica. O projeto da NuScale não requer bombas de resfriamento do reator, ao passo que as bombas da Toshiba são eletromagnéticas, sem peças móveis. Em ambos os casos há uma redução da probabilidade de falhas desastrosas.Por outro lado, pesquisadores chineses estão desenvolvendo um reator pequeno, no qual a própria fissão nuclear é capaz de se interromper. Em uma demonstração, eles desligaram o sistema de resfriamento, e a reação simplesmente se extinguiu por si mesma. Hoje, 56 reatores desse tipo estão sendo construídos, sendo 19 na China. Com o forte aumento da demanda por energia, essa atividade não vai alterar o percentual de energia nuclear na matriz global de energia. Mas os pequenos reatores poderiam ajudar, diz Lester. "A ideia é expandir as fontes de energia com baixas emissões de carbono. E a energia nuclear tem potencial." Se houver permissão, claro. Nos Estados Unidos, as autoridades afirmam que alguns modelos podem ser aprovados num prazo de cinco anos. Os mais inovadores, porém, talvez tenham de esperar mais.
Publicado em 03/2010
REVISTA NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL MARÇO 2010

Quando Yellowstone explode

Sob o Parque Nacional de Yellowstone, uma monstruosa coluna de rocha aquecida está provocando tremores de terra. No passado remoto aconteceram gigantescas erupções vulcânicas. E ninguém sabe se elas podem voltar a ocorrer.



Em 29 de agosto de 1870, Gustavus Doane, um tenente do Exército americano de 30 anos, membro de uma expedição que explorava a região de Yellowstone, subiu com dificuldade até o topo do monte Washburn. As únicas outras elevações visíveis estavam a quilômetros de distância, formando parênteses em volta de uma imensa bacia tomada por florestas. Para Doane, só tinha uma explicação para esse vazio. "A enorme bacia", escreveu, "havia sido uma vasta cratera de um vulcão hoje extinto."O tenente estava certo: Yellowstone é um vulcão, mas não um qualquer. O mais antigo parque nacional dos Estados Unidos está situado sobre um dos maiores vulcões do planeta. Por outro lado, Doane equivocou-se quanto a um aspecto crucial: esse vulcão não está extinto.Existem vulcões - e há os supervulcões. Esta última categoria ainda não tem definição consensual - o termo foi popularizado por um documentário transmitido pela BBC em 2000 -, mas alguns cientistas o empregam para designar erupções excepcionalmente violentas e volumosas. O U.S. Geological Survey (USGS) usa o termo para se referir a qualquer erupção em que sejam lançados mais de 1 milhão de metros cúbicos de pedra-pomes e cinza no decorrer de um único evento - ou seja, 50 vezes a do vulcão Krakatoa em 1883, na qual morreram mais de 36 mil pessoas. Uma explosão vulcânica mata plantas e animais em um raio de quilômetros; já os supervulcões, quando entram em atividade, são capazes de provocar a extinção de espécies, pois modificam o clima em todo o planeta.Não há registro de nenhuma dessas supererupções na história humana, mas os geólogos fazem uma ideia de como elas seriam. Primeiro, uma coluna de calor ascende das profundezas do planeta e funde as rochas logo abaixo da crosta terrestre, criando uma imensa câmara repleta de uma mescla pressurizada de magma, rocha semissólida, vapor d'água dissolvido, dióxido de carbono e outros gases. À medida que o magma se acumula na câmara no decorrer de milhares de anos, o terreno acima começa a ficar abaulado, centímetro por centímetro. Surgem então fraturas na beirada da abóboda. Quando a pressão na câmara magmática é liberada através dessas fraturas, os gases dissolvidos explodem em uma reação em cadeia. É como "abrir uma garrafa de Coca-Cola depois de sacudi-la", diz o cientista Bob Christiansen, do USGS, um dos primeiros a pesquisar o supervulcão, na década de 1960. Assim que a câmara magmática se esvazia, a superfície sofre um colapso. Toda a área da abóbada afunda no interior do planeta, como se a Terra estivesse devorando a si mesma. O resultado final é uma gigantesca caldeira vulcânica.A "área de calor" responsável pela caldeira de Yellowstone já provocou dezenas de erupções durante os últimos 18 milhões de anos. Como a área se estende até as profundezas, e a placa tectônica sobre ela está se movendo para sudoeste, as caldeiras remanescentes de explosões mais antigas se enfileiram como um colar de contas.As três últimas supererupções ocorreram no próprio Yellowstone. A mais recente, 640 mil anos atrás. Segundo os cálculos dos cientistas, a coluna de cinza ergueu-se a 30 mil metros, lançando uma camada de detritos pelo oeste americano até o golfo do México. Os fluxos piroclásticos - uma fluida massa densa e letal composta de cinza, rocha e gás superaquecidos a 800°C - moveram-se pela paisagem como imensas nuvens cinzentas. Tais nuvens cobriram vales inteiros com uma camada de centenas de metros de material tão quente e pesado que se consolidou como asfalto sobre a paisagem antes verdejante. E essa não foi a explosão mais violenta do Yellowstone. Há 2,1 milhões de anos ocorreu ali uma erupção duas vezes mais forte, que criou uma caldeira de 4 mil quilômetros quadrados. Entre uma outra, 1,3 milhão de anos atrás, houve uma terceira erupção - menor, mas ainda assim devastadora.Em todas essas ocasiões, os efeitos foram sentidos no planeta inteiro. Os gases que se elevavam até a estratosfera teriam se mesclado ao vapor d'água, criando uma fina névoa de aerossóis de sulfato que bloqueou a luz do sol, mergulhando a Terra em um "inverno vulcânico" que durou anos. De acordo com pesquisadores, o DNA humano talvez guarde sinais de uma catástrofe assim, ocorrida há cerca de 74 mil anos, quando se deu a erupção do Toba, um supervulcão na Indonésia. O subsequente inverno vulcânico pode ter contribuído para um período de resfriamento global que reduziu a população a alguns milhares de indivíduos - por muito pouco não extinguiu a espécie humana.Apesar de sua violência, restaram apenas débeis sinais da atividade dos supervulcões. A caldeira de Yelowstone sofreu erosão, foi preenchida com fluxos de lava e cinza oriundos de erupções menores (das quais a mais recente foi há 70 mil anos) e em seguida foi nivelada por geleiras. Florestas tranquilas recobriram as cicatrizes restantes. Esses efeitos tornam quase impossível detectar qualquer sinal, a menos que se tenha bom olho, como era o caso do tenente Doane, ou que se seja alertado por um geólogo."Vemos dois terços da caldeira", diz o geofísico Bob Smith. "As dimensões dela são tão grandes que é difícil ter uma ideia precisa." Nós estamos acima do lago Butte, em um mirador no leste do lago Yellowstone, um dos melhores pontos para se ver a caldeira. Mas eu não percebo nada. Vejo o lago se estender por quilômetros abaixo de nós e alguns morros ao norte - antigos domos de lava. Mas não consigo visualizar os limites da caldeira, pois grande parte dela está sob o lago, e também em função de sua enorme escala - com uns 72 quilômetros de diâmetro. Tal como Doane no topo do monte Washburn, diviso apenas longínquos morros de uma e de outra banda no horizonte e, entre eles, a oeste, as "não montanhas", o espaço vazio em que o terreno afundou no período de apenas alguns dias.


Mesmo assim, os efeitos das erupções passadas marcaram o presente. Os pinheiros Pinus contorta que predominam nas matas estão adaptados a solos com poucos nutrientes, como os da caldeira do parque. As trutas que pululam nos rios não seriam tão abundantes sem os efeitos de aquecimento proporcionados pelas fontes hidrotermais no leito do gélido lago Yellowstone. O parque está repleto de gêiseres, fumarolas, domos de lama. Metade dos gêiseres do planeta está em Yellowstone.Mesmo com essa "ebulição gasosa muito violenta", como anotou um dos primeiros exploradores, o vulcão havia muito tempo era considerado extinto ou ao menos estava agonizante. Na verdade, após os levantamentos do governo americano no fim do século 19, o tema permaneceu discreto por décadas. Aí, no fim dos anos 1950, um jovem cientista, Francis Boyd, mais conhecido como Joe Boyd, ficou intrigado com a presença de tufo fundido - uma espessa camada de cinza aquecida e compactada -, que lhe pareceu um indício de fluxos piroclásticos ocasionados por uma erupção vulcânica recente.Em 1965, Bob Christiansen topou com outro tufo fundido e, um ano depois, ele e seus colegas identificaram um terceiro. Empregando uma técnica de datação baseada em potássio-argônio, descobriram que os três tufos haviam sido produzidos por erupções distintas. Cada uma delas criou uma caldeira, com a erupção mais recente ocultando quase todos os sinais das anteriores.Então, em 1973, quando Bob Smith e um colega faziam pesquisas na ilha Peale, no braço sul do lago Yellowstone, Smith notou que algumas árvores na margem do lago estavam parcialmente submersas e agonizantes. Ele já havia trabalhado na área em 1956 e contava usar o mesmo ancoradouro que lhe servira anteriormente. Mas o ancoradouro também estava submerso.Intrigado, Smith começou a buscar os marcos que os funcionários do parque haviam colocado em vários caminhos desde 1923. Seu levantamento revelou que o vale Hayden, sobre a caldeira ao norte do lago, havia se erguido 75 centímetros nessas décadas. Mas o mesmo não havia ocorrido com a extremidade inferior do lago. Na verdade, a parte norte havia se alçado, provocando aumento no nível da água na parte oposta do lago. O terreno subjacente estava se abaulando. O vulcão estava ativo.Smith divulgou suas conclusões em 1979, referindo-se a Yellowstone como uma "caldeira viva e resfolegante". Aí, em 1985, após tremores quase todos ínfimos, o terreno voltou a afundar. Smith foi obrigado a modificar sua metáfora: agora, Yellowstone era uma "caldeira viva, resfolegante e vibrante".Desde então, Smith e seus colegas foram, pouco a pouco, estudando as proporções e o potencial do sistema vulcânico. A água da superfície infiltra-se por vários quilômetros da crosta, é aquecida, ferve e retorna, dando origem a gêiseres e fumarolas. Entre 8 e 10 quilômetros de profundidade está o topo da câmara magmática, um reservatório de rocha fundida que mede uns 50 quilômetros. O magma basáltico é contido no interior da câmara por uma camada superior de magma riolítico mais denso, o qual flutua sobre o basalto líquido como a gordura no leite. Examinando o modo como as ondas sonoras emitidas por terremotos se propagam através de rochas profundas com densidade variável, os cientistas descobriram que a câmara magmática é abastecida por uma coluna de rocha aquecida que se eleva desde o manto superior da Terra, está inclinada 60° para o noroeste em sua parte inferior, e com uma base situada 650 quilômetros abaixo da superfície. Quando a coluna transmite mais calor para a câmara, há um soerguimento do terreno. Os pequenos tremores permitem que os fluidos hidrotermais escapem para a superfície, aliviando a pressão no interior da câmara, ocasionando de novo o afundamento do solo. Depois do enxame de tremores em 1985, Yellowstone afundou 20 centímetros em uma década. Em seguida voltou a erguer-se. Desde 2004, partes da caldeira alçaram-se a um ritmo de 8 centímetros por ano, na maior velocidade registrada desde o início das observações, nos anos 1970. A superfície continua a elevar-se, apesar de novos tremores, que se estenderam por 11 dias no fim de 2008, desencadeando uma onda de rumores apocalípticos na internet."A caldeira está inquieta", diz Smith. "O resultado de todos os ciclos será uma quantidade de magma suficiente para uma erupção. O problema é que não sabemos como são esses ciclos." Aí surge a questão: o supervulcão estaria prestes a explodir de novo? As possibilidades de uma erupção total, formadora de nova caldeira - um cataclismo que poderia provocar milhares de vítimas e lançar a Terra em um inverno vulcânico -, são incalculáveis. Agora aposentado, Bob Christiansen acha que o supervulcão está sob controle. Durante boa parte de sua história, a área de calor de Yellowstone formou caldeiras na fina crosta do oeste dos Estados Unidos. Mas agora a área de calor está localizada sob a crosta bem mais espessa das Montanhas Rochosas."O sistema está mais ou menos em equilíbrio", diz Christiansen, que faz questão de acrescentar: "Mas isso não passa de uma opinião".